Releio febrilmente entre as calores que assolam a velha Europa neste verão de 2022 as poesias de T. S. Eliot. Ando trabalhando numa cousa mais longa, relacionado com o cem aniversário da publicação da que é a obra mais conhecida do autor, The Waste Land (1922). Por enquanto, deixo-vos aqui a tradução de dous seus poemas de juventude, um não recolhido num livro de seu, In the Department Store, e Gerontion, publicado no seu segundo livro de poemas, Poems (1920). Espero que vos tragam certo solaz neste julho tão cálido.
Nos grandes armazéns A moça da secção da porcelana sorri para o mundo através duma dentadura falsa. Tem aparência profissional e leva um lápis no cabelo Mas atrás dos seus olhos aguçados descolam os serãos de verão pelo parque e noites acaloradas em salas de dança do segundo andar. A vida do homem é impotente e breve e escura não me é possível fazê-la feliz.
In the Department Store The lady of the porcelain department Smiles at the world through a set of false teeth. She is business-like and keeps a pencil in her hair But behind her sharpened eyes take flight The summer evenings in the park And heated nights in second story dance halls. Man's life is powerless and brief and dark It is not possible for me to make her happy.
Gerontion Thou hast nor youth nor age But as it were an after dinner sleep Dreaming of both. Cá estou, um homem velho num mês seco, a ler-me um meninho, a esperar pela chuva. Nem estive nos portões quentes nem luitei na chuva cálida nem no sapal até o joelho, erguendo um sabre, picado pelas moscas, luitei. A minha casa é uma casa descomposta, e o judeu acocora-se no parapeito, o dono, engendrado nalgum estaminê de Antuérpia, empolado em Bruxelas, remendado e esfolado em Londres. A cabra tosse à noite no campo de lá acima; rochas, musgo, pão de cuco, ferro, merdas. A mulher atende a cozinha, faz chá, espirra na tardinha, mexendo na valeta impertinente. Eu um homem velho, uma cabeça embaçada entre espaços ventosos. Os sinais são tomados por maravilhas. “Quem dera vermos um sinal!” A palavra dentro da palavra, incapaz de pronunciar palavra, embrulhada pela escuridão. Na juvenescência do ano veio Cristo o tigre no depravado maio, sanguinho e castinheiro, judas florescente, para serem comidos, para serem divididos, para serem bebidos entre sussurros; por Mr. Silvero de mãos carinhosas, em Limoges que caminhou toda a noite no quarto do lado; por Hakagawa, fazendo reverências entre os Ticianos; por Madame de Tornquist, no quarto escuro mudando de sítio as velas; Fräulein von Kulp que se virou no vestíbulo, com uma mão na porta. Lançadeiras vacantes tecem o vento. Não tenho fantasmas, um homem velho numa casa com correntes de ar sob um cômoro ventoso. Após tal conhecimento, que perdão? Pensa logo A História tem muitas passagens arteiras, corredores e saídas contrafeitos, engana com ambições murmuradoras, guia-nos por vaidades. Pensa logo Ela dá quando a nossa atenção se distrai e o que dá, dá-o com confusões tão dúcteis que o dar esfomeia a avidez. Dá tarde demais aquilo em que não se acredita, ou se se acredita, na memória apenas, paixão reconsiderada. Dá cedo demais a mãos débeis, aquilo que se acha prescindível até a recusa propagar um medo. Pensa Nem o medo nem a coragem nos salvam. Vícios antinaturais são engendrados pelo nosso heroísmo. Virtudes são-nos impostas pelos nossos crimes impudicos. Estas lágrimas são abatidas da árvore que carrega a ira. O tigre salta no ano novo. É a nós que devora. Pensa enfim Não chegámos à conclusão, quando eu enrijeço numa casa alugada. Pensa enfim Não figem este espetáculo à toa e não é por nenhuma concitação dos demónios voltados. Gostaria de nos avirmos nisto honestamente. Eu que estava perto do teu coração fui apartado dele para perder beleza em terror, terror em inquisição. Perdi a paixão: porque a haveria de manter porquanto o que é mantido há de ser ver adulterado? Perdi a vista, o olfato, o ouvido, o gosto, o tato: como haveria de os usar contigo para um contacto mais estreito? Estas junto com mil pequenas deliberações protraem o lucro do seu esfriado delírio, excitam a membrana, quando o sentido arrefece, com molhos pungentes, multiplicam a variedade numa selva de espelhos. O que fará a aranha, suspender as suas operações, demorar-se-á o gorgulho? De Bailhache, Fresca, Mrs. Cammel, remoinhados além do circuito da trémula Ursa em átomos fraturados. Gaivota contra o vento, nos estreitos ventosos de Belle Isle, ou correndo no Horn. Penas brancas na neve, o Golfo reclama, e um velho impulsado pelos alísios para uma esquina sonolenta. Inquilinos da casa, pensamentos dum cérebro seco numa estação seca.
Gerontion Thou hast nor youth nor age But as it were an after dinner sleep Dreaming of both. Here I am, an old man in a dry month, Being read to by a boy, waiting for rain. I was neither at the hot gates Nor fought in the warm rain Nor knee deep in the salt marsh, heaving a cutlass, Bitten by flies, fought. My house is a decayed house, And the Jew squats on the window sill, the owner, Spawned in some estaminet of Antwerp, Blistered in Brussels, patched and peeled in London. The goat coughs at night in the field overhead; Rocks, moss, stonecrop, iron, merds. The woman keeps the kitchen, makes tea, Sneezes at evening, poking the peevish gutter. I an old man, A dull head among windy spaces. Signs are taken for wonders. ‘We would see a sign!’ The word within a word, unable to speak a word, Swaddled with darkness. In the juvescence of the year Came Christ the tiger In depraved May, dogwood and chestnut, flowering judas, To be eaten, to be divided, to be drunk Among whispers; by Mr. Silvero With caressing hands, at Limoges Who walked all night in the next room; By Hakagawa, bowing among the Titians; By Madame de Tornquist, in the dark room Shifting the candles; Fräulein von Kulp Who turned in the hall, one hand on the door. Vacant shuttles Weave the wind. I have no ghosts, An old man in a draughty house Under a windy knob. After such knowledge, what forgiveness? Think now History has many cunning passages, contrived corridors And issues, deceives with whispering ambitions, Guides us by vanities. Think now She gives when our attention is distracted And what she gives, gives with such supple confusions That the giving famishes the craving. Gives too late What’s not believed in, or is still believed, In memory only, reconsidered passion. Gives too soon Into weak hands, what’s thought can be dispensed with Till the refusal propagates a fear. Think Neither fear nor courage saves us. Unnatural vices Are fathered by our heroism. Virtues Are forced upon us by our impudent crimes. These tears are shaken from the wrath-bearing tree. The tiger springs in the new year. Us he devours. Think at last We have not reached conclusion, when I Stiffen in a rented house. Think at last I have not made this show purposelessly And it is not by any concitation Of the backward devils. I would meet you upon this honestly. I that was near your heart was removed therefrom To lose beauty in terror, terror in inquisition. I have lost my passion: why should I need to keep it Since what is kept must be adulterated? I have lost my sight, smell, hearing, taste and touch: How should I use it for your closer contact? These with a thousand small deliberations Protract the profit of their chilled delirium, Excite the membrane, when the sense has cooled, With pungent sauces, multiply variety In a wilderness of mirrors. What will the spider do Suspend its operations, will the weevil Delay? De Bailhache, Fresca, Mrs. Cammel, whirled Beyond the circuit of the shuddering Bear In fractured atoms. Gull against the wind, in the windy straits Of Belle Isle, or running on the Horn, White feathers in the snow, the Gulf claims, And an old man driven by the Trades To a sleepy corner. Tenants of the house, Thoughts of a dry brain in a dry season.